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“Entre o Tempo e a Memória”, de Elizabeth Leite

20 Nov 2021
“Entre o Tempo e a Memória”, de Elizabeth Leite
Data 20 Nov 2021 - 30 Jan 2022
Hora 16:00
Local: Centro Multimeios de Espinho
Sessões: Inauguração: Dia 20 de novembro pelas 16:00.
Horário de visita:
terça e quarta-feira: 10:00 — 18:00
quinta e sexta-feira: 10:00 — 18:00 / 21:00 — 22:00
sábado, domingo e feriados: 15:00 — 19:00 / 21:00 — 22:00
Biografia
Elizabeth Leite nasceu em Caracas, na Venezuela, a 21 de janeiro de 1982 e reside em Oliveira de Azeméis, Portugal desde 1989.
Concluiu, em 2005, a Licenciatura em Pintura na ARCA|EUAC (Escola Universitária das Artes de Coimbra) e, em 2006, frequentou o Mestrado em Comunicação Estética na mesma instituição, tendo concluído a pós-graduação com 17 valores. Frequentou ainda o Mestrado em Ensino de Artes Visuais, ministrado entre a Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação e a Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto. A partir de 2006, acumulou o exercício da docência com a pintura.
Atualmente dedica-se a 100% à sua atividade artística.


Sobre a Artista
"Elizabeth Leite reporta as emoções de uma vivência que se ergue rompendo de dentro, de dentro do desenho, para a materialidade possível que existe e passa a ser materialidade única que a confluência entre corpos em pousio permite: estamos perante pintura de retratos expressivos do espaço do quotidiano, da pele com que os corpos se mostram exibindo de si o silêncio, a mais pura das dádivas que um olhar pode captar – estamos perante o congelamento do que sendo visível é já uma outra camada, um outro plano no qual inscrevemos não o que foi pensado, mas o presente que transbordando da bidimensionalidade das telas e azulejos nos coloca no centro da ação que faz desaguar sentimentos insuspeitos, memórias reais ou fictícias, ou mesmo inexistentes, com que se desenha a imaginação e se erguem, como pedras incorruptas, todos os instantes acumulados.
Há nesta pintura uma ironia intensa, o incontrolável desejo de olhar o mundo como câmbio de pele e carne entre lugares que se querem próximos e não se desejam perder nunca.

ELIZABETH LEITE: UMA CALIGRAFIA PARA DESVELAR O MUNDO, Jorge Velhote, 4 de maio de 2019.

 

REPIQUES

Agora que as nuvens se dissipam e o vento amaina, que o sol traz de novo a cor aos gerânios, que os pássaros voltam a cantar na sebe e a gata retoma a sua habitual rotina higiénica, descansa por um instante. Debruça-te sobre a mesa, um corpo que se faz casa, abrigo que esboças de cor. Fecha os olhos e sente a paz a regressar muito lentamente ao mais fundo de ti. Fecha bem os olhos. Escuta.

Escuta os sinos da igreja, no outro lado do vale. São de festa ou de luto os seus repiques. Cantam ave-marias. Segredam-te o tempo que roubas ao tempo. Generosos, nunca deixam de te dar as horas, mas fazem-no com parcimónia, uma de cada vez, numa cadência solene. Escuta como as horas se desdobram em minutos e estes em segundos no bater do teu coração. São também repiques, dobram-se em si mesmos, antes numa aceleração furiosa de quem sabe que não sabe como dizer não, agora preguiçosos e lentos (bradicardia sinusal, diz a médica de família). E o ladrar dos cães ao longe, a vizinha da frente a chamar as netas, a carrinha do padeiro que apita três vezes sempre à mesma hora, o pingar ritmado da torneira na bacia do jardim, o arrulhar das rolas no telhado da casa, a bola que bate duas vezes no cimento antes de tomar a direcção do cesto…

Repiques, pois.

(Que outra coisa poderiam ser?)

Devagar abrirás os olhos. Voltarás a ser tu e o teu tempo. A impossibilidade de se ser outro. O cheiro das tintas é sempre mais forte depois da tormenta. Os quadros envolver-te-ão. Vestirás o teu corpo de pincéis e cor para te deleitares num pêssego sumarento, no padrão estrelado dos azulejos, num vaso quebrado, num tacho lavado, no viço das flores, no riso das crianças. Grávida de esperança, responderás com firmeza às dúvidas, certa de que dois e dois são cinco. Numa harmonia telúrica, abrir-se-á em vida o traço leve. Tudo se conjugará em encanto e beleza. Um último fulgor e a obra estará pronta.

Ergues o olhar aos céus e abraças a graça de seres quem és.

É a hora das trindades.

Repiques…

Eles dobram por ti.

Texto de Joaquim Margarido
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